segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Comentário ao tema 2 - Tribunais Administrativos como os tribunais comuns da função administrativa

Uma apreciação da competência material

Baseando-nos na concepção do Prof. Sérvulo Correia do Dto Administrativo como o direito comum da Administração, iniciamos por referir que os civilistas a esta perspectiva oferecem muita resistência por considerarem que é o Direito Civil a ocupar esse lugar, fundamentando que o Direito Administrativo é antes um direito de privilégio.
Contudo, não é apenas um Direito de privilégio; é ainda um Direito que impõe ao seu principal sujeito ( a Administração) sujeições e deveres especiais entre os quais podemos destacar o principio da reserva de lei, a procedimentalização da actividade da Administração Pública e o prinicipio da transparência.
O principio da reserva de lei proibe a Administração Publica de agir "praeter legem", i. é, além das competências previstas na lei.
A procedimentalização da actividade da Administração Pública consusbantacia-se no facto de a Administração Pública estar vinculada ao respeito a regras especificas no seu modus operandi: não só a decisão está sujeita a esse procedimento, mas também os actos preparatórios dessa decisão.
O principio da transparência opõe-se à reserva dos actos dos particulares e encontra-se constitucionalmente vertido no art. 268/1 e 2. Doutrinalmente, é ainda conhecido como principio da Administração aberta ou " open file": arquivo aberto desde que o procedimento esteja encerrado.

Em termos de jurisdição ( que ocorre com base num critério material, assente na natureza das relações jurídicas em causa e não na natureza dos respectivos titulares), os tribunais administrativos e fiscais têm jurisdição própria atribuída desde 1989 na Constituição da República portuguesa, no seu art 209/1 b) , com uma hierarquia própria em que o topo é ocupado pelo STA (v. art 212/1). Apesar desta abordagem constitucional unitária, a legislação ordinária opta por uma subdivisão que se materializa desde logo nivel de 1a instância.

Evolução histórica da organização dos Tribunais Administrativos
Historicamente, podemos constatar algumas especificidades organizativas da organização dos tribunais administrativas, mais notórias na realidade pré- ETAF):
- não tinham alçada;
- havia apenas duas instâncias para cada processo, sendo que uma funcionada como instancia de recurso ( art 103)
- o Tribunal e o sta decidiam em primeira instância de questões de direito e matéria de facto querem decisões primárias quer em recursos de sentenças dos tribunais administrativos de circulo ( art 110 c) da Lei Processo Tribunais Administrativos)
Com o ETAF dá-se uma alteração do quadro organizatório da justiça administrativa, havendo uma crescente aproximação do esquema administrativo ao esquema judicial civilista o que demonstra uma maturação da autonomia

Entende o Prof Vieira de Almeida que se trata de uma "sub-ordem judicial autónoma", com base mormente na divisão constitucional que prevê a existência de:
»»» Tribunais permanentes ( art. 209/1 a) CRP e art. 212 CRP)
- Supremo Tribunal Administrativo , com funções de regulador do sistema contencioso administrativo, última instância de recurso
- Tribunais Central Administrativo , tribunais de segunda instância
- Tribunal Administrativo de Circulo , tribunais de primeira instância
art 24/1 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ( ETAF)
»»» Tribunais ad hoc
- trinunais administrativos arbitrais como tribunais arbitrais voluntários que se constituem para determinados compromissos arbitrais , art 209/2 e art 181 cpta

Conflitos de jurisdição e de competência

Refira-se ainda a regra da resolução de situações de conflito ( negativo ou positivo) de competências . Assim, a regra é a da atribuição do poder de resolução destes conflitos a um tribunal especial, formado por membros dos tribunais em conflito.
Tratando-se de conflito entre tribunais administrativos e tribunais judiciais, cumpre ao Tribunal de Conflitos decidir.

Criticas a uma delimitação negativa de competências

Ainda quanto à questão da jurisdição administrativa, existe uma delimitação negativa constante do art. 4/2 a) ETAF que gera discordância na doutrina.
A título de exemplo, refira-se o Prof João Caupers que, no seu Guia de Estudo de Direito Administrativo, propugna a ideia de tal exclusão ser inaceitável. Servem de base argumentativa as ideias de ressarcibilidade fundada na responsabilidade civil do Estado como exigência do Estado de Direito e a da jurisdição administrativa ser o meio naturalmente vocacionado para os apreciar.
O prof Vieira de Andrade salienta também este aspecto, referindo que a inclusão de questões de responsabilidade civil extra contratual nas matérias de competência dos tribunais administrativos inclui a ressalva supra referida, art 185 CPTA.

Servem ainda as demonstrações de surpresa da doutrina quanto a certas exclusões materiais da jurisdição administrativa para fundamentar a afirmação sub judice por serem prova da aceitação generalizada por parte da doutrina que há a expectativa que questões de matéria administrativa sejam da incumbência comum dos tribunais administrativos.

Conclusão

Concluo, portanto, que em termos de fontes e de sujeitos os tribunais Administrativo são os tribunais comuns da função administrativa, o que é em termos gerais aceite pela doutrina portuguesa.

Bibliografia
  • Código do Procedimento Administrativo - Anotado - Com Legislação Complementar, João Caupers, João Raposo, Diogo Freitas do Amaral, Maria da Glória F. P. D. Garcia, João Martins Claro, Pedro Siza Vieira, Vasco Pereira da Silva, Editora: Almedina, Ano: 2007
  • O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, Vasco Pereira da Silva, Editora: Almedina, Ano: 2009
  • A Justiça Administrativa (Lições) , José Carlos Vieira de Andrade, Editora: Almedina, Ano: 2009
  • Contencioso administrativo : anotado e comentado , Joao Caupers, Joao Raposo, Editora: Editorial Notícias, Ano: 1994
Wwwebgrafia
Linhas gerais da reforma do contencioso administrativo: http://rca.meticube.com/_RCA/Documents/LINHASGERAIS.pdf
Jurisdição administrativa - Actos integrados na função administrativa / regulamentar do Estado : http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=4579&codarea=58

Acordãos interessantes
* referência à criação do Tribunal de Conflitos e sua competência: http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e6802568e003ea931/0e6496c6f7cece2c8025713b003b5a8e?OpenDocument
* acordãos do Tribunal dos Conflitos http://www.dgsi.pt/jcon.nsf?OpenDatabase

Outras fontes:
Aulas teóricas da cadeira de DireitoAdministrativo, leccionadadas pelo Prof. Dr. Sérvulo Correia no ano lectivo 2007/2008.


Diana de Cristo Anes
subt 3, nº 13232