quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Comentário tema 2

"Os Tribunais administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa"

Segundo o artigo 212º da Constituição (CRP) compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Este preceito, introduzido com a reforma de 1989, vem estabelecer o critério de delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa.
A Jurisdição administrativa está hoje justificada com toda a complexidade e vastidão das relações jurídicas que são disciplinadas pelo direito Administrativo. A complexidade é justificada maior interpenetração dos domínios público e privado. O próprio Estado de Direito democrático faz dos sujeitos privados titulares de direitos e interesses dignos de tutela jurídica perante os poderes públicos, gerando com isto uma forte pressão sobre a Justiça. É a ela que cada vez se exige cada vez mais uma tutela mais eficaz contra as actuações ilegítimas dos poderes públicos.
Embora falemos de uma forma de intervenção do poder judicial nos poderes públicos, esta não deve ultrapassar certos limites, não deve por os tribunais a administrar, mas sim a julgar a conformidade da actuação dos poderes públicos com as regras e os princípios de Direito a que eles se encontram obrigados, fazendo desta forma prevalecer o Direito sobre as eventuais condutas ilegítimas dos poderes públicos.
Deve por isso assegurar-se a efectiva especialização dos juízes administrativos, justificando por si só esta especialização uma verdadeira separação de jurisdições, que evite acima de tudo a diluição destes juízes no universo dos juízes dos tribunais judiciais, que não carecem de qualquer especialização. A especialização nada mais é do que a reserva para uma jurisdição própria a incumbência de administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
Mas que relações jurídicas administrativas são estas? São as relações de Direito Administrativo que se regem por normas de Direito Administrativo, uma vez que os litígios que envolvem entidades públicas que sejam resolvidos não aplicando normas de Direito Administrativo são submetidos aos tribunais judiciais.
Podemos assim verificar que existem na nossa ordem jurídica duas ordens de tribunais judiciais, duas jurisdições separadas reguladas pela Constituição nos artigos 210º e 211º, no caso dos tribunais judiciais, e no artigo 212º, sobre os tribunais administrativos.
Os tribunais administrativos e fiscais, tem mesmo um Estatuto próprio (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Ficais -ETAF) aprovado em 2002, que explica uma especialização dos juízes de jurisdição administrativa e fiscal, afastando-os do corpo dos juízes dos tribunais judiciais.
Mas esta separação nem sempre existiu, derivando de uma evolução que ocorreu na própria legislação ordinária, e que culminou com a revisão constitucional de 1989. Em 1974 começam os Tribunais administrativos e fiscais a se afastar dos tribunais judiciais, sendo colocados na dependência do Ministério da Justiça, acabando com o seu estatuto, até então, de órgãos administrativos independentes, passando a ser verdadeiros tribunais ao lado dos tribunais judiciais, embora tenha apenas sido em 1984 aprovado o seu estatuto próprio. É esse Estatuto que marca a separação entre tribunais que julgam a matéria administrativa e fiscal dos que julgam a matéria cível e criminal.
Nesse estatuto encontrasse presente o critério distintivo que gerará na revisão constitucional de 1989, afastando os tribunais administrativos dos judiciais, atribuindo-lhe competência própria em matéria de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais.
É a partir da revisão constitucional de 1989 que passa a ser constitucionalmente obrigatória a existência de jurisdição administrativa e fiscal, surgindo o artigo 212º.
Semelhante ao que encontramos nos tribunais judiciais, também os tribunais administrativos e fiscais se encontram organizados em 3 níveis, os tribunais de primeira instância (tribunais de circulo), os tribunais centrais administrativos e no topo encontramos o Supremo Tribunal administrativo. Todos estão regulados no ETAF.
Segundo o artigo 212º da constituição, no seu número 3, sabemos que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais. Mas este artigo veio também gerar uma questão acerca da reserva material absoluta de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos e fiscais, que impedisse que fosse atribuída aos tribunais judiciais o poder de dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Ai a doutrina, embora dividida, faz prevalecer que esta não é uma reserva absoluta de competência, possibilitando que, pontualmente, estes conflitos de relações jurídicas administrativas podem ser atribuídos aos tribunais judiciais, mas devendo sempre ter em atenção o núcleo essencial caracterizador de cada uma das jurisdições.
Esta solução é efectivamente a mais acertada e justificada para a leitura do preceito, uma vez que a rede de tribunais administrativos e fiscais não é suficientemente alargada e dotada de recursos humanos necessários para dar a resposta adequada em certos domínios, devendo por isso dse atribuir aos tribunais judiciais o poder se julgar litígios de natureza administrativa.
No entanto, é também justificada a atribuição de todos os litígios em zona de fronteira em que as questões colocadas são predominantemente de natureza administrativa, mas havendo dúvidas de qualificação ou zonas de intersecção entre as matérias administrativas e as restantes, aos tribunais administrativos, justificado por várias alíneas do artigo 4º do ETAF.
Assim como os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal, por força do artigo 211º da constituição, podemos também dizer que os tribunais administrativos e fiscais são os tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal. São estes que julgam as questões em matéria administrativa e fiscal, e mesmo não estando atribuída por lei a qualquer jurisdição, é a própria matéria da questão que encaminha ou para os tribunais judiciais, no caso de matéria cível ou criminal, ou para os tribunais administrativos e fiscais, no caso de matéria administrativa ou fiscal. Afastasse desta forma, em questões de matéria administrativa e fiscal, o preceituado no número 1 do artigo 211º que atribuía aos tribunais judiciais jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, uma vez que esta está atribuída na sua globalidade, pelo 212º, numero 3 à ordem jurisdicional administrativa.
Os tribunais administrativos julgam, em princípio, todas as questões de direito administrativo. Mas não tem que ser necessariamente assim. Temos um núcleo essencial ou domínio típico da justiça administrativa. Neste núcleo essencial os tribunais comuns podem tocar, mas não podem nunca esvaziar este núcleo essência ou domínio típico. Se a lei for omissa, e se a questão for de direito administrativo, então deve ser resolvida pelos Tribunais Administrativos porque eles são os tribunais comuns em matéria administrativa.

Rosa Encarnação
subturma 1/noite - nº 16850