quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO VS ADMINISTRATIVO - Recensão crítico-comparativa sobre a definitividade enquanto pressuposto da recorribilidade em ambos

DUARTE NUNO COSTA 16168 SUB-3 (usando o login de Guilherme Galante por não me conseguir registar em nome próprio!)


Tendo em conta a enfermidade “traumatico-freudiana” diagnosticada pelo Prof. Vasco Pereira da Silva de que padecia além da infância do próprio contencioso administrativo português, com manifestações “virais” no que toca à sobejamente conhecida convulsão/manifestação disso mesmo, que representava o recurso hierárquico necessário, ao qual pela posologia de uma “sangria” pela navalha da inconstitucionalidade, o Professor consegue expurgar todas as consequências do direito fundamental de impugnação contenciosa dos actos administrativos, receitado o artigo 268.º, n.º4 da Constituição, desde que lesivos dos particulares, concluindo na autópsia, o nado morto que resulta agora das disposições legais que estabelecem o recurso hierarquico necessário. Congratule-se o proveitoso pós-recobro do legislador no sentido de determinar a impugnabilidade dos actos administrativos em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares, afastando expressamente toda e qualquer exigência de recurso hierárquico necessário, artigo 51.º, n.º1 , do CPTA, sem garantias administrativas como condição necessária de acesso aos tribunais, cicatriz palpável da ferida agora sarada, desferida antes pela doutrina do “administrador-juiz”.

Observe-se agora o quadro-clínico do contencioso que para muitos autores é tido como uma verdadeira Eva arrancada da costela do Adão do contencioso administrativo (por todos, SALDANHA SANCHES), para outros mero filho bastardo, e que se quer pródigo arrependido (para que à “boa casa” administrativa retorne) que é o Contecioso Tributário. Todavia, pois que peca por tardio o seu grito do “ipiranga”, no que lhe toca, temos clara a opção do contencioso tributário entre reclamar e/ou impugnar, por uma interpretação “descomplexada” que o legislador fiscal faz da Constituição, não sendo assim necessário percorrer a “via sacra” reclamação-recurso hierárquico-tribunal. O fundamento da impugnação será “qualquer ilegalidade” (artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, doravante CPPT), tal como para a reclamação, de modo a garantir a tutela jurisdicional, como preceitua a Constituição. De “amarras soltas” o contencioso tributário reage assim contra o ordenamento anterior em que o recurso directo aos tribunais ia “afunilando” para o particular, pela imposição de reclamações e recursos prévios, arrogando-se a Administração de discricionaridade técnica no que concernia aos conceitos fiscais, v.g. em matéria de quantificação. Hodiernamente, qualquer “errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” será fundamento de ilegalidade, balizada pela alínea a) do supra citado artigo 99.º CPPT. O contencioso tributário lança uma generosa rede aos particulares, assumindo-se o artigo em questão nas suas quatro alíneas como meramente exemplificativo, deixando margem a que qualquer ilegalidade possa ser suscitada.

Sem embargo, atente-se para os casos em que o contencioso tributário, desinibido de reaccionismos e complexos exacerbados contra relações à laia de incestuosas com o “administrador-juiz” (salvo o devido respeito pelo “fervor” de VASCO PEREIRA DA SILVA), prevê casos em que terá de haver reclamação, prévia ao recurso a tribunal. Assim, reza o art. 117.º CPPT, quando se trate de impugnação com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos. Veja-se o n.º1 do preceito que prevê a dependência de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável (com correspondência na Lei Geral Tributária quanto aos métodos indirectos). A razão de ser da exigência prende-se nestes casos com a pretensa maior celeridade da resposta, e pelo presuntivo argumento de que neste âmbito de questões, previsivelmente/possivelmente será dada razão ao contribuinte, alcançando-se a almejada e tão “na moda” celeridade da justiça, evitando-se sobrecarregar os tribunais (conseguida ironicamente pelo legislador através do que qualificamos serem “manobras de diversão”, pelo desviar das atenções dos próprios tribunais, evitando corrigir nuclear e internamente as causas da morosidade judicial, sem prejuízo das vantagens da brevidade proporcionadas ao contribuinte por esta “manobra”). Expressão deste sistema encontra-se no quarteto dos artigos 131.º, 132.º, 133.º e 134.º CPPT, acerca da impugnação dos actos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta, e objecto da impugnação, respectivamente. Especificamente, quanto ao artigo 131.º, em que quanto a casos de erro na autoliquidação, “a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária”, a solução surge como perfeitamente lógica e natural, dado que se é o próprio sujeito passivo a admitir o seu erro, será mais que previsível e sem necessidade de recorrer a artes divinatórias, para intuitivamente concluir que a própria Administração lhe irá dar razão, tendencialmente sem obstar. O artigo 132.º, quanto à impugnação em caso de retenção na fonte, tenderá aplicar-se a situações em que o substituto tributário, que retém o imposto do substituído, entrega de forma errónea ao Fisco, maior quantia do que a que reteve, caso em que o artigo prevê previamente ao recurso a tribunal, a reclamação graciosa com o pedido de reembolso da quantia em excesso entregue. Finalmente, o artigo 133.º CPPT, referente à impugnação em caso de pagamento por conta, refere a susceptibilidade de impugnação do mesmo com fundamento em erro sobre os pressupostos da sua existência ou do seu quantitativo (n.º1) que requer prévia reclamação graciosa para o órgão periférico local da administração tributária competente (n.º2) (assinalando-se a crítica feita por inúmeros autores, por todos, ANA PAULA DOURADO, quanto à redacção confusa e deficiente do n.º1 do preceito, cuja conclusão da necessidade de reclamação graciosa se consegue apenas retirar da leitura do n.º2 do artigo).

Remeta-se ainda, e numa fase primeva, para a questão análoga no contencioso tributário, acerca da definitividade dos actos tributários, artigo 60.ºCPPT, (outro) pressuposto de recorribilidade do acto tributário: a definitividade material – para assumir que os actos de natureza tributária que fixam direitos dos contribuintes são, efectiva e defintivamente, definidores de situações jurídicas. E, como tal, reunidos que estejam os requisitos de definitividade horizontal e vertical (artigo 54.º CPPT), estes actos podem ser impugnados contenciosamente. O artigo 54.º CPPT (“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”) consagra assim o Princípio da Impugnação unitária no contencioso tributário, pois que só haverá impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres. Nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação de um tributo, a esfera jurídica dos interessados apenas é atingida por esse acto, e por isso, em regra, será ele, e apenas ele, o acto lesivo e contenciosamente impugnável: o acto impugnável será aquele que põe termo ao procedimento (salvo as excepções que o próprio artigo reconhece, a título excepcional e na medida em que seja imediatamente lesivo, ou perante previsão legal expressa, vg os artigos 86.º1 da LGT e 63.º7 e 10 CPPT). No confronto, e como é conhecido neste ponto da matéria, o CPTA, sobre esta matéria no seu artigo 51.º fixa o conceito de acto impugnável. Apelando ao conceito de acto destacável e ao critério da lesividade do acto, na base do princípio da impugnação unitária do contencioso tributário, o seu “primo” contencioso administrativo vai mais longe na noção de acto administrativo impugnável, como é testemunho a Exposiçao de Motivos do CPTA em que “deixa de se prever a definitividade como um requisito geral de impugnabilidade, não se exigindo que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental ou no exercício de uma competência exclusiva para poder ser impugnado”, afastando “definitivamente a definitividade horizontal” da noção de acto impugnável (na nossa expressão). Decisiva será para o CPTA a eficácia externa dos seus efeitos (“…a produção de efeitos externos, independentemente da respectiva eficácia”, na lição de VIEIRA DE ANDRADE).

Criticamente, e admitindo a especificidade do direito tributário e respectivo direito adjectivo, o CPPT, sem embargo das soluções inovadoras e mais conformes à Constituição do que o bloco legal que anteriormente regia o contencioso administrativo, obriga-nos numa análise mais atenta a concluir que perdeu agora terreno face ao CPTA, impondo-se uma mudança neste aspecto do regime (até porque a prática jurisprudencial em torno deste princípio de impugnação unitária tem-se revelado mais restritiva do que a própria norma!). No que toca também ao que nos propusemos expôr neste “post”, a definitividade vertical não é tratada em qualquer dos artigos, 54.º e 60.º CPPT, ou seja, da necessidade de que o acto tenha sido praticado pelo ocupante do patamar último da escala hierárquica para que possa dele ser deduzida impugnação contenciosa. Sem embargo, será de retirar do regime do recurso hierárquico, (maxime dos artigos 67.º1 CPPT e 80.º LGT), a par do regime da reclamação graciosa, (artigos 68.º a 67.º CPPT), que a impugnação administrativa dos actos tributários lato sensu é desnecessária, via de regra, para efeitos da sua impugnação contenciosa. Veja-se, e como já amplamente exposto supra, que os artigos 131.º a 134.º CPPT consagram na legislação processual tributária excepções, casos em que a impugnação administrativa prévia é requisito de recorribilidade judicial. Haverá que caracterizar o direito adjectivo (Direito Fiscal) e a sua exponencial privatização (transferência das tarefas declarativas e liquidatórias para o contribuinte, maxime a auto-liquidação, na lição de Direito Fiscal da Prof. ANA PAULA DOURADO), como responsáveis por esta excepcionação, justificando esta “administrativização” das decisões procedimentais, momento em que a Administração é convocada a decidir, e a partir do qual o contribuinte poderá assacar-lhe responsabilidade na sede judicial própria.

Dos artigos 51.º e 59.º, n.ºs 4 e 5 do CPTA decorre a regra da desnecessidade da impugnação administrativa prévia, estudado o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA. Porém, clarifica o co-autor da reforma, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o CPTA não tem “o alcance de revogar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias”, no que passa cartão vermelho a Doutrina de VASCO PEREIRA DA SILVA.

O artigo 59.º, n.º 4 do CPTA estabelece que a “utilização de meios de impuganção administrativa suspende o prazo de impuganção contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”, o que leva PAULO OTERO a usar a expressão “impugnação recomendável”. No contencioso tributário, tal efeito suspensivo apenas se verificará, no âmbito do recurso hierárquico, quando atribuído por lei, e no âmbito da reclamação graciosa, “quando for prestada garantia adequada (…), a requerimento do contribuinte a apresentar com a petição, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo órgão periférico local competente”, artigo 69.º al. f) CPPT, o mesmo se diga quanto à reclamação genérica, artigo 66.º da Lei Geral Tributária.

Bibliografia

ALMEIDA, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, 2005.

ALMEIDA, Mário Aroso de/AMARAL, Diogo Freitas do, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, 2000.

ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, 5ª edição, Almedina, 2004.

OTERO, Paulo, “Impugnações Administrativas, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 28, Julho/Agosto, 2001.

REBELO, Marta, “Breves considerações em torno da intimação para um comportamento em matéria tributária”, Fiscalidade, n.º17, Janeiro, 2004.

SANCHES, J.L. Saldanha, Manual de Direito Fiscal, 2ª edição, Coimbra Editora, 2002.

- “O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição”, Fiscalidade, n.º 7/8, Julho/Outubro, 2001.

SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª edição, Almedina, 2009.


DUARTE NUNO COSTA 16168 SUB-3 (usando o login de Guilherme Galante por não me conseguir registar em nome próprio!)