quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

INTERESSE EM AGIR

Na esteira do Acórdão nº 04704/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 Janeiro 2009, «a legitimidade processual depende de um interesse em demandar que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção (...) e da circunstância de o interessado efectivamente ser titular de um direito subjectivo ou de lhe ser conferida uma determinada posição jurídica, consubstanciada num interesse legalmente protegido». Existe, pois, uma relação de identidade entre o conceito de legitimidade activa e o de interesse processual, que se traduz, à partida, na exigência de necessidade, utilidade e adequação da propositura da ação judicial. Todavia, a adequação, em boa verdade, seria um requisito processual de validade objectivo intrínseco, respeitante ao mero formalismo processual – a falta de adequação não é passível de implicar a falta de interesse, pois este não pode ser confundido com um mero aspecto formal.
O art. 268º/4 da CRP, a partir da revisão constitucional de 1997, consagra como critério de impugnação de actos a sua lesividade, contrariamente ao que sucedia com o texto constitucional de 1989, em que o critério era a ilegalidade, numa orientação de pendor objectivista.
O CPTA trata do interesse processual nos artigos 9º/1 e 55º/1-a). A regra na al. a) do art. 55º/1 requer, para além da lesividade, que o interesse seja directo e pessoal. O critério da lesividade enquanto pressuposto do interesse em agir levanta sérias dúvidas, nomeadamente quando se trata da tutela de interesses difusos (cfr. art. 9º/2 do CPTA), uma vez que o conceito de lesividade perante interesses metaindividuais adquire uma crescente fluidez. Suponha-se, v. g., que um grupo de cidadãos vem impugnar um acto administrativo em matéria ambiental, representando a população afectada ou, num caso ainda mais elucidativo, um grupo de cidadãos impugna um acto administrativo também em matéria ambiental, mas com fundamento no princípio da responsabilidade intergeracional.
O especial melindre que o critério da lesividade implica pode, no entanto, ser elucidado em termos mais simples se olharmos para a impugnação dos vícios do acto. Pergunta-se se a ausência da lesividade impede o particular de impugnar um acto administrativo que padece de um vício? E, em caso afirmativo, qual a relevância (autónoma) do vício do acto ilegal?
Existe uma clivagem doutrinária no que toca à interpretação do art. 55º/1-a) do CTPA. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA sustenta dever ser adoptada uma visão mais objectivista. Assim sendo, não só é legítimo o autor que tem um direito a defender, como também o é aquele que tem um interesse legalmente protegido e que vê esse mesmo interesse ser prejudicado por um acto administrativo. VASCO PEREIRA DA SILVA, por sua vez, propugna uma solução subjectivista, afirmando que, para ser parte legítima, deve o autor ser titular de uma situação de vantagem, atribuída por um direito subjectivo, que é lesada ou susceptível de ser lesada com um acto administrativo, não se tutelando, segundo esta doutrina, meros interesses de facto.
Perante as dificuldades interpretativas deste normativo, defendo, todavia, um re-tratamento hermenêutico e valorativo da sua interpretação, nos seguintes termos:
i) a postura subjectivista na interpretação do art. 55º/1-a) não deve provocar uma subalternização do princípio da legalidade;
ii) adopte-se uma ou outra perspectiva, o direito de acesso à justiça administrativa e o princípio da tutela jurisdicional efectiva não devem ser postos em causa.

BIBLIOGRAFIA:
AROSO DE ALMEIDA, M., O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Ed. Almedina, 2007
COLAÇO ANTUNES, L. F., A reforma do contencioso administrativo : o último ano em Marienbad, Sciencia Iuridica, T.XLIX, 2000, n.283-285, p.53-67
PEREIRA DA SILVA, V., O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Ed. Almedina, 2009
VIEIRA DE ANDRADE, J. C., A Justiça Administrativa, Ed. Almedina, 2006


João Valbom Baptista - 15930