sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Contencioso Administrativo nos "braços" da Constituição


A partir de 1982, o aprofundamento da democracia participativa torna-se um objecto fundamental e mobilizador de toda a sociedade, começa-se assim por reconhecer que a participação directa dos cidadãos na vida política constitui uma condição fundamental da consolidação do sistema democrático (Art. 109º da CRP) e logo se consagra os princípios da descentralização administrativa (Art. 267º da CRP) bem como se cria o Conselho Económico e Social dotado de poderes económicos e sociais. Também a revisão constitucional de 1989 consagra, ou garante, a participação dos trabalhadores e, impede que a estrutura da administração se faça sem a participação dos interessados na sua gestão efectiva através das associações públicas, das organizações de moradores e outras formas de representação democrática. Finalmente, a revisão constitucional assegura a participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações administrativas que lhes digam directamente respeito.

A todos é constitucionalmente garantido o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos afectados por quaisquer actos de particulares ou do poder estadual, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (Art. 20º da CRP). Trata-se de uma protecção jurisdicional ampla, que impede a existência de actos insusceptíveis de controlo por parte dos tribunais – princípio da Legalidade (A administração tem o poder, que a constituição reconhece).

No âmbito da administração a garantia de acesso aos Tribunais é individualizada tal como vem previsto nos Arts. 212º, nº 3 da CRP e Art. 268º, nº 4 da CRP, os quais abrangem os recursos fundados na ilegalidade dos actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos e a tutela efectiva dos direitos e interesses (Art. 2º do CPTA). A independência e a imparcialidade dos Tribunais Administrativos encontra-se hoje salvaguardado, bem como a força jurídica das sentenças proferidas pelos tribunais. A CRP garante, ainda a responsabilidade das entidades públicas, como dos seus titulares, órgãos, funcionários ou agente, por acções ou omissões praticados no exercício das suas funções (Art. 271º da CRP).

Ao executar a lei, a Administração fica impedida de cometer qualquer abuso ou arbitrariedade, deixa de haver liberdade para a administração no exercício do seu poder discricionário, não só a sua competência, como o se fim (interesse público) estão fixados na lei, bem como a Administração tem de querer o mais justo e adequado para o fim que pretende alcançar. O Art. 266º da CRP dispõe que a administração pública visa a prossecução do interesse público e subordina os órgãos e agentes administrativos à constituição e à lei.

Os Tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (Art. 202º da CRP), assegurando a defesa dos direitos e interesses dos particulares e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados. A revisão constitucional de 1982 previu a criação de tribunais administrativos e fiscais, dotados de uma estrutura própria e competência especializada conforme o disposto no Art. 212º da CRP. A consagração do modelo de organização judiciária administrativa própria acentua a autonomia dos tribunais administrativos e fiscais, em relação aos tribunais comuns.


Princípio da justiça administrativa: A consagração nos textos constitucionais de princípios jurídicos respeitantes à justiça administrativa começou na vigência da constituição de 1933. Entre os vários direitos e garantias dos cidadãos consagrou-se o recurso contencioso de actos administrativos definitivos e executórios. A constituição de 1976, manteve esta a garantia mínima dos administrados e autorizou, por outro lado, a Assembleia da República a criar tribunais administrativos com vista a assegurar uma maior defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

As sucessivas revisões constitucionais consagraram vários princípios de justiça administrativa:

· Princípio do acesso dos cidadãos aos tribunais: consagrado pelos Arts. 20º, 268º, nº 4 e 5 da CRP;
· Princípio da efectividade da tutela jurisdicional dos direitos e interesses dos particulares: Igualmente consagrado pelos mesmos artigos. Este princípio envolve a previsão de meios processuais suficientes para a protecção dos direitos e interesses dos particulares postos em causa por actos e comportamentos (acções e omissões) da administração pública. O que significa que o particular tem de dispor de meios de defesa subjectivos e não unicamente de meios para a protecção da legalidade objectiva. Este princípio determina também que o processo contencioso assegure que a decisão final seja proferida num prazo razoável. A última consequência do princípio da efectividade da tutela jurisdicional diz respeito à execução da sentença, o legislador tem de prever os meios necessários que permitem uma plena execução das sentenças nos tribunais.
· Princípio da plena jurisdição: Os tribunais administrativos são competentes para dirimir os litígios resultantes das relações jurídico-administrativas em total e plena autonomia face aos tribunais comuns – Arts. 209º e 212º, nº 3 da CRP.
· Princípio da prossecução do interesse público e respeito dos direitos e interesses dos particulares: A justiça administrativa é uma exigência do estado de direito democrático, por um lado exige a obrigação da administração pública, prosseguir o interesse público de acordo com o ordenamento jurídico e por outro lado respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (Art. 266º da CRP).

A revisão constitucional de 1989: veio instituir uma verdadeira jurisdição administrativa e um novo regime de contencioso administrativo. Considerando que a jurisdição administrativa não pode ser uma jurisdição diminuída em relação aos tribunais comuns, os tribunais administrativos devem ter todos os poderes para dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas. Esta Revisão, confirmada pela alteração do Art. 268º da CRP, consagra o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva dos Direitos e Interesses dos Cidadãos. O sistema de justiça administrativa vai assim evoluir no sentido de um aperfeiçoamento as garantias dos cidadãos, no respeito do interesse público.
Em suma, toda a lógica do contencioso administrativo gravita em torno da tutela judicial, plena e efectiva dos direitos dos particulares, sendo em razão deste princípio que devem ser organizados os diferentes meios processuais, sejam eles destinados ao reconhecimento de direitos e interesses, a impugnação de actos, a condenação da administração ou a acautelar direitos dos sujeitos. Hoje passam a ser os diferentes meios processuais que giram em volta do princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e não o contrário.

Quanto às sentenças administrativas também elas carecem de fundamentação, que há-de discriminar as razões de facto e de direito da decisão, isto é, os factos provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (Art. 205º, nº 1 da CRP) - Princípio da Fundamentação Obrigatória das Sentenças
Os efeitos processuais, definem-se precisamente nos termos em que são definidos em processo civil. Destes o mais importante é o caso julgado ou efeito de caso julgado, o qual também tem menção na CRP, nomeadamente através das seguintes características:

· Imunidade: o caso julgado é imune às modificações impostas por lei, ainda que retroactiva (Art. 282º/3 CRP);
· Superioridade: se houver duas ou mais decisões de autoridade em conflito, prevalece aquela que revestir força de caso julgado (Art. 205º/2 CRP);
· Obrigatoriedade: o que tiver sido decidido por sentença com força de caso julgado é obrigatório para todas as autoridades púbicas e privadas, e deve ser respeitado (Art. 205º/2 CRP);
· Executoriedade: se o conteúdo da sentença for exequível, o que nela se tiver decidido deve ser executado, sob pena de sanções contra os responsáveis pela inexecução (Art. 210º/3 CRP).
Filomena Maria Simões dos Santos Jorge - Sub Turma 3 - Nº 16090