sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Tal como o Poeta, também o Legislador é um “fingidor” – O Indeferimento Tácito

A afirmação de que o legislador não é mais do que um fingidor, prende-se com o facto dos Actos Tácitos, mais precisamente o Indeferimento, não ser mais que uma ficção, conforme podemos comprovar através dos escritos de vários autores, entre os quais se encontra o Prof. Vasco Pereira da Silva, o qual no seu livro “ O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise” escreve: “Escusado será dizer que tal construção de um acto que se “finge” existir, para se “fingir” que se anula, para se continuar a “fingir” que daí resulta uma obrigação de praticar o acto contrário...”.

O Indeferimento Tácito, à semelhança de todos os Actos Tácitos da Administração, teve origem no Direito Administrativo Francês, no “Privilége du Préable”, em que a Administração Pública apenas podia ser demandada, contenciosamente, face a uma prévia conduta positiva.

No nosso sistema, a par dos de outros países, esta figura evoluiu para que o seu reconhecimento apenas ocorresse quanto às omissões da Administração, bem como dos efeitos típicos que resultariam da sua prática. Assim, na presença do “silêncio” da Administração sobre uma pretensão de um particular, como não era permitida a condenação jurisdicional desta à prática do Acto Administrativo omitido, por se entender que tal procedimento violaria o Princípio da Separação de Poderes, permitiu-se na lei que o interessado “presumisse” a existência de um acto administrativo de indeferimento, para que se concretizasse uma efectiva tutela dos seus interesses.

A utilidade deste “fingimento” residia no facto de que perante uma eventual anulação contenciosa do Indeferimento Tácito, ser a Administração obrigada a abrir, ou a reabrir, o Procedimento Administrativo, e a proferir uma decisão sobre o mesmo.

Ao contrário do Indeferimento Tácito, que apenas tinha um alcance processual, o Deferimento Tácito, previsto no Art. 108 CPA, tem além deste um alcance substantivo, pois neste caso permite-se ao particular/interessado exercer, de imediato, a posição subjectiva em causa, sem ser obrigado a esperar por qualquer decisão administrativa, ou jurisdicional.
O Código de Procedimento Administrativo, na sua versão actual, consagra o Indeferimento Tácito como o regime regra das omissões de actos administrativos (Art. 109/1), e o Deferimento Tácito aos casos expressamente previsto na Lei (Art. 108/1 e 3).

Com a consagração da possibilidade de uma condenação jurisdicional da Administração à prática dos actos devidos, nos Arts. 46/2 e 66 a 71 do CPTA foram tacitamente revogados os Arts. 109/1 e 175 CPA, quanto ao Indeferimento Tácito, pois no que diz respeito ao Deferimento Tácito este manteve-se imune à incidência da Reforma do Contencioso Administrativo, sendo hoje a única modalidade de acto tácito existente no Direito Administrativo Português.

Há, contudo, quanto a esta questão uma divergência doutrinal, pois há quem defenda, nomeadamente o Prof. Mário Aroso de Almeida in “Implicações de Direito Substantivo da reforma do Contencioso Administrativo”, que os Arts. 46/2 e 66 a 71 do CPTA apenas revogaram o nº 1 do Art. 109. Posição contrária tem o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, no seu livro “Direito Administrativo Geral – Tomo III”.

Quanto à natureza jurídica do Acto Tácito, também a doutrina diverge, pois enquanto alguns autores consideram-no “um mero facto Jurídico” (Profs. A. Gonçalves Pereira e R. Machete), do qual depende a verificação de um pressuposto processual de impugnação de actos administrativos, outros consideram-no “um verdadeiro acto administrativo” (Profs. Marcelo Caetano e Sérvulo Correia), uma vez que à sua emissão estaria subjacente uma conduta voluntária de Administração, outros ainda entendem-no como sendo “uma ficção de acto administrativo, em toda a sua plenitude (Profs. Diogo Freitas do Amaral, J. Caupers, M. Esteves de Oliveira e J. T. Silveira.


Filomena Maria Simões dos Santos Jorge - Nº 16090 - Sub-Turma 3

Bibliografia: Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos – Direito Administrativo Geral – Tomo III

Vasco Pereira da Silva – O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – 2ª edição – actualizada – Almedina