terça-feira, 22 de setembro de 2009

As Reformas do Contencioso Administrativo

Depois de ler os dois textos que a nossa colega Alexandra Bretes tão gentilmente teve a amabilidade de apresentar a debate, a sensação com que fico é, infelizmente, a sensação de alguma insegurança.

E porquê insegurança?

Por duas razões: a primeira, devido ao desrespeito demonstrado pelos Governos perante a Constituição da República Portuguesa (CRP) após as revisões constitucionais de 1989 e 1997, que vieram consagrar uma tutela mais forte e decidida dos direitos dos particulares quando confrontados com o poder da administração pública. A segunda, prende-se com os enormes atrasos que os processos de contencioso têm nos Tribunais administrativos.
Assim sendo, a pergunta que faço a mim próprio, depois de ler estes textos é a seguinte: se eu, enquanto cidadão, vir um dos meus direitos ser lesado por um órgão da administração pública, conseguirei fazer valer o meu direito nos Tribunais Administrativos? E em tempo útil?

Em minha opinião, é preciso garantir que o “princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares” seja cumprido, tenha aplicação prática e produza efeitos materiais. É importante que os direitos conferidos, por exemplo, no artº268/4 e 5 da CRP ganhem relevância prática, através de normas actuais e modernas de Direito Administrativo, de modo a que todos possamos ter uma justiça administrativa mais justa e célere, e que honre o Estado democrático que é a república portuguesa.
É portanto necessário que os futuros Governos, tenham a coragem de legislar normas administrativas que ponham em marcha aquilo que o legislador constitucional já teve a audácia de fazer: conferir uma tutela mais forte dos direitos dos particulares nas suas relações com a administração pública. A actual “indiferença” dos Governos para com a Constituição tem de acabar, e os nossos futuros Governos não podem cair na tentação comum a todas as entidades que detêm “poder” – a tentação de não cercearem o próprio poder que detêm submetendo-se a instâncias de controlo.

É preciso que sejam legisladas novas normas administrativas que concretizem o direito constitucional. Mas essas normas não podem ser legisladas com base na política do “remendo”. Tal como refere o Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva, é necessário que o legislador talhe um “fato novo”, e não coloque apenas “remendos” na actual “roupa velha”. Mas infelizmente tem sido esta a política seguida por anteriores reformas do contencioso administrativo, como por exemplo, a reforma de 1984/85 que concretizou a plena jurisdicionalização e independência dos Tribunais Administrativos e teve o principal objectivo de descongestionar o enorme número de processos de contencioso administrativo em atraso, ou a reforma intercalar de 1996/97 que criou o Tribunal Central Administrativo (TCA), que pretendeu resolver o estado caótico de atrasos de processos no Supremo Tribunal Administrativo (STA).

Como referi, estas duas reformas pecaram por falta de audácia. Por exemplo, a criação do TCA, pela Lei nº49/96, de 4 de Setembro, apenas vem mascarar o problema vivido no STA, não apresentando uma solução adequada à situação. Este TCA, tal como defende o Juiz Desembargador Gonçalves Lopes, falha na tentativa de aproximação às populações e falha na tentativa de agilização dos processos. O efeito de descongestionamento obtido, seria igualmente conseguido com a criação de mais uma secção do STA.

Em Portugal, penso existirem os seguintes Tribunais Administrativos e Fiscais: STA, TCA Norte, TCA Sul, Tribunal de 1ª instância de Almada, Beja, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Funchal, Leiria, Lisboa, Loures, Loulé, Mirandela, Penafiel, Ponta Delgada, Porto, Sintra e Viseu. São portanto, dezasseis tribunais de 1ª instância, dois tribunais centrais administrativos, e um supremo tribunal administrativo. Mas será que são suficientes para um país em que existe perto de cinco mil e quinhentas pessoas colectivas públicas (entre municípios, associações públicas, institutos, etc.), cinquenta e cinco mil serviços públicos e quinhentos e vinte mil funcionários públicos?

Por último, gostaria de deixar aqui uma breve alusão à jurisprudência administrativa. As decisões dos Tribunais administrativos, tal como defende o Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, têm também (da mesma forma que a legislação administrativa) um grande desfasamento perante o texto constitucional, bem como perante a actual filosofia e principiologia do sistema administrativo português. Desta forma, as decisões dos tribunais administrativos são mais restritivas da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, ou seja, dos direitos de todos nós.

Ricardo Alexandre de Carvalho