segunda-feira, 26 de outubro de 2009

ÁFRICA DO SUL – SÍNDROME PÓS-TRAUMÁTICO DE UM CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO EM CONSTRUÇÃO

§ 1. INTRODUÇÃO

1. Em primeiro lugar, cumpre sucintamente explicitar as razões da escolha do Contencioso Administrativo da África do Sul para o presente trabalho. Assim, na senda do aqui já exposto no que tange à história e evolução do Contencioso Administrativo e à subjacente dualidade de jurisdições de tipo francês em contraposição ao sistema monista de tipo britânico, consideramos de especial interesse vislumbrar, ainda que superficialmente, a evolução nesta área que se terá se terá verificado na África do Sul.

2. Importa mencionar de antemão que tal escolha deste regime reside no facto do país em causa ter sido alvo de longa e perniciosa colonização europeia, nomeadamente holandesa a partir do ano de 1652, e inglesa em finais do séc. XVIII, tendo a soberania britânica sido reconhecida no Congresso de Viena de 1815. Todavia, a título de mera curiosidade, é de ressalvar que aquele que desbravou caminho e aguçou o interesse sobre a região foi o português Bartolomeu Dias, o primeiro navegador europeu a dobrar o Cabo da Boa Esperança (outrora Cabo das Tormentas), em 1488, e a chegar ao oceano Índico a partir do Atlântico.

3. Desta feita, o Direito sul-africano aparece, multiculturalmente, a partir do Direito romano-holandês mercantil (oriundo da Companhia das Índias holandensa) e do direito inglês comum (“british common law”), para além da influência do costume de origem indígena. Isto faz com que o sistema legal deste país se apresente como uma mescla híbrida mercê da intervenção de todas estas distintas tradições legais.
Já mais recentemente, no séc. XX, é de primordial importância para a história desta nação o regime do Apartheid, que se instaurou legal e efectivamente nos finais da década de 40, estendendo-se até à década de 90. O Apartheid preconizava uma violenta política de segregação racial e de supremacia branca “Afrikaner” (descendentes brancos dos colonos europeus) sobre os cidadãos de raça negra, mestiços e indianos (introduzidos no país como escravos durante a colonização), forçados a viver circunscritos em reservas ou regiões próprias denominadas Batustões e interditos de aceder às regiões ditas brancas, para o que foi criado um sistema de passes ou controlo fronteiriço severo. O governo , Afrikaner, controlava tudo, desde habitação, saúde, educação, numa atitude de etnocentrismo atroz, humanamente condenável.
Como principal representante e arauto anti-Apartheid, surge Nelson Mandela, activista e guerrilheiro do ANC, condenado pelo regime nacionalista Afrikaner a prisão perpétua em 1962, tendo vindo a ser libertado apenas em 1990, pelo então presidente Frederik de Klerk, aquando da queda do regime de segregação, mercê da forte pressão internacional e de ter sido negada ao país a constância na Commonwealth.
As primeiras eleições livres na África do Sul aconteceram em 1994, tendo sido Nelson Mandela eleito presidente até 1999, sendo que a Constituição sul-africana foi aprovada em 1996 - Constitution of the Republic of South Africa, Act No 108 of 1996.

4. Ora, sendo a África do Sul um país onde hodiernamente se verifica uma enorme diversidade étnica, cultural e religiosa, com três capitais distintas - Cidade do Cabo como capital legislativa; Pretória como capital administrativa; e Bloemfontein, como capital judicial –, com onze línguas oficialmente reconhecidas na jovem Constituição de 1996, nove das quais dialectos Bantu tribais que convivem lado a lado com o inglês (quinta língua mais falada) e o Africâner (Afrikaans que provem do holandês), para além de toda a sua história que atrás sucintamente descrevemos, trata-se de um país que desperta indubitavelmente a curiosidade sobre o seu Direito e, no que interessa aqui explanar, sobre a configuração do seu contencioso administrativo. Com tal herança genética esta democracia de parto díficil e adolescência problemática, terá, com certeza, horas intermináveis de sessões de psicanálise pela frente.


§ 2. O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DA ÁFRICA DO SUL

2.1. BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA


5.
Durante o Apartheid, o direito administrativo sul-africano viu-se empobrecido e esvaziado não só pelo poder legislativo e executivo, como também por um sistema judiciário atávico e restritivo. A nova Constituição procurou libertar o país desses atavismos e catapultou-o para uma nova era no direito administrativo, que poderíamos apelidar de neo-administrativismo sul-fricano.
Pela primeira vez na história do Direito da África do Sul, a Constituição (section 33) confere quatro direitos que consideramos de particular importância para o contencioso administrativo sul-africano: (i) reforço dos direitos constitucionalmente protegidos; (ii) direito a ter os litígios dirimidos por um tribunal ou outra entidade independente; (iii) direito ao acesso à informação detida pelo governo; e o (iv) direito à justiça administrativa.
Por outro lado, a Constituição prevê também a criação de entidades estaduais para melhor prosseguir os ideais democráticos em si plasmados, tais como a figura do Public Protector que equivale ao nosso Provedor de Justiça (art,23º CRP), encarregue de investigar e proteger os cidadãos contra a má administração do Governo ou conduta imprópria.
Outra das novidades reside na criação de uma Comissão de Direitos Humanos e uma Comissão para a igualdade no género. Estas Comissões podem exercer os seus poderes investidos no auxílio dos cidadãos que considerem que um acto administrativo do governo infringiu os seus direitos .

2.2. O ACTUAL CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO SUL-AFRICANO

6. O novo Contencioso Administrativo deve servir o ideário democrático e as virtudes de uma administração que toma decisões ponderadas; prevenir a arbitrariedade no exercício do poder público; assegurar abertura, justiça e justeza de decisões, essenciais para a legitimação e confiança na administração, promovendo a participação dos cidadãos numa proximidade entre estes e as tomadas de decisão do governo.
Para dar cumprimento a estes preceitos constitucionais (cfr, Section 33) , em 2000 foi aprovado o PAJA, The Promotion of Administrative Justice, (Act 3 of 2000) - Acto de Promoção da Justiça Administrativa (mais uma vez tradução nossa…) que regulamenta a forma como as decisões administrativas em relação aos particulares devem ser tomadas e sempre coadunadas com o preceituado naquela Lei Fundamental.
Contudo, não existindo um Tribunal Administrativo autónomo, como acontece em Portugal e em muitos outros países, os lítigios de cariz administrativo são resolvidas pelo tribunal comum onde impera e se aplicará o regime da Common Law. Ainda assim, as decisões são susceptíveis de Revisão Judicial ou recurso (Judicial Review) interposto a pedido do particular.


§ 3. CONCLUSÕES

A criação por parte da Constituição Sul-Africana de duas Comissões cujo fim é o zelar pelos direitos que as denominam nos termos descritos, constitui uma novidade que consideramos bastante peculiar: por exemplo, em Portugal um particular não pode invocar directamente perante o Tribunal Constitucional que um qualquer acto administrativo lhe viola um direito fundamental.
Ao invés, em Espanha e na Alemanha existe o Recurso de Amparo e no Brasil, o mandado de injunção.
É impressionante como um Contencioso Administrativo tão jovem e pouco desenvolvido tem tal garantia, que existe em muito poucos países.

A maior parte dos cidadãos sul-africanos ainda não tem uma clara noção da existência do PAJA que dá exequibilidade aos seus direitos constitucionalmente previstos, para o que serve ou como se utiliza pragmaticamente.

Não obstante o Contencioso Administrativo da Nação Arco-Íris encontrar-se ainda em fase extremamente embrionária, no cômputo geral o avanço e o salto qualitativo em tão pouco tempo a nível de legislação é de louvar e digno de uma atenção especial quanto ao seu desenvolvimento e evolução vindouros.


Sara de Medeiros Martins 14025 subturma 2

Bibliografia:

Bibliografia Digital:

http://www.justice.gov.za/paja/about/terms.htm#adminlaw

http://www.sahistory.org.za/

http://stephanvdmerwe.googlepages.com/administrativelaw

http://iate.europa.eu

www.wikipedia.com


Panfleto dirigido aos cidadãos sul-africanos sobre o PAJA:

http://docs.google.com/gview?a=v&q=cache:s2EzfkTk2nMJ:www.justice.gov.za/paja/docs/2008%252010_Information%2520sheet_CDWs.pdf+paja+south+africa&hl=pt-PT&gl=pt&sig=AFQjCNFzL_AKgGJxELDm8gxhoq1oaAjsQw


Compêndios:

- VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo», 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009


- MICHAEL HARRIS, MARTIN PARTINGTON, «Administrative Justice in the 21st century»- Papers presented at the International Conference on Administrative Justice, held in Bristol, 1997.


Textos Legais:

Constituição da República da África do Sul

Constituição da República Portuguesa

PAJA- The Promotion of Administrative Justice, (Act 3 of 2000)