segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A Evolução Histórica do Contencioso Administrativo

O Contencioso Administrativo “nasceu” com a Revolução Francesa em 1789. O seu “nascimento” foi conturbado, e no nosso entendimento bastante “pervertido”, no sentido que desvirtuou aqueles valores que deveriam estar na sua génese. Ou seja, o Contencioso Administrativo foi criado para proteger os interesses e os direitos da Administração Pública, quando deveria ter nascido para proteger os direitos dos particulares.

A evolução histórica do Contencioso Administrativo desde o momento em que surgiu, até hoje, sofreu já profundas alterações tanto de forma como de conteúdo. Assim, destacamos uma evolução marcada por três momentos chave: o primeiro, será o do seu nascimento, que como atrás referimos dá-se com a Revolução Francesa; o segundo, será com o advento do estado social, no fim da Primeira Guerra Mundial, com a Grande Depressão dos anos trinta, e com o início das doutrinas de John Maynard Keynes. O terceiro momento mais importante na evolução histórica do Contencioso Administrativo surge com o Estado Pós-social, e vem até aos dias de hoje.

O primeiro momento, que o Professor Vasco Pereira da Silva designa de “pecado original”, correspondeu ao início de um período em que o Contencioso Administrativo servia para proteger os interesses da Administração Pública. Foi um momento de “promiscuidade” entre a função administrativa e a função de julgar os litígios administrativos, pois era a própria administração que os julgava. Visava-se assim a defesa do Estado e não a defesa dos particulares.
A figura do juiz como a conhecemos hoje não existia, existia sim a figura do juiz-administrador. Maior promiscuidade entre as tarefas de administrar e julgar não seria possível, pois certamente ninguém é “bom juiz em causa própria”, e obviamente o juiz-administrador protegeria os interesses do Estado.
Este período do “pecado original” pode-se dividir em três fases: na primeira, de 1789 a 1799, a mistura entre a função de administrar e de julgar era total; na segunda fase, designada de “Justiça Reservada”, de 1799 a 1872, essa tendência começou a amenizar-se com a criação do Conselho de Estado, órgão meramente consultivo que apresentava soluções para os litígios administrativos; por último, a terceira fase, que se designou de “Justiça Delegada”, e que compreendeu o período de 1872 em diante, já trouxe algumas mudanças no conteúdo do Contencioso Administrativo, pois as decisões do Conselho de Estado passaram de meramente consultivas a decisões definitivas.

O segundo momento da evolução histórica do Contencioso Administrativo, que se iniciou com o fim do Estado Liberal e o advento do Estado Social, foi designado pelo Professor Vasco Pereira da Silva como o período do “Baptismo”.
É neste período que se dá a jurisdicionalização plena e efectiva do Contencioso Administrativo, que ganha autonomia total perante a Administração Pública, finalmente deixa de ser o “administrador” que julga os litígios administrativos, e surgem os Tribunais Administrativos com autonomia perante o poder executivo.
Este período é muito importante, pois apesar de se manter um modelo de contencioso administrativo do tipo objectivo, deixa de existir a promiscuidade que existia até então entre a função de administrar e a função de julgar.

O terceiro momento mais importante da evolução histórica do contencioso administrativo dá-se com o fim do estado providência e com o início do estado pós-social. O que sucede então nesta data? Uma alteração muito importante: o abandono do modelo de contencioso administrativo do tipo objectivo, para se instituir um modelo de contencioso do tipo subjectivo. Este último, muito mais preocupado com a tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, e muito mais garantístico do que o primeiro.
Iniciou-se assim o terceiro período da evolução do Contencioso Administrativo, que o Professor Vasco Pereira da Silva designa no seu livro e nas aulas teóricas como “a fase do crisma ou da confirmação” do Contencioso.
Neste terceiro período, existe ainda uma subdivisão a assinalar: num primeiro momento, a fase da constitucionalização do Contencioso; e num segundo momento, a fase da europeização do Contencioso Administrativo.

Em Portugal, as coisas passaram-se de forma algo diferente. Assim, durante o período político do Estado Novo, vigorou um modelo de justiça administrativa dependente da Administração Pública e com um controlo limitado e objectivo. Com a constituição de 1976 ganhou assento constitucional, desde logo, os ideais do período do “baptismo”. Ou seja, em 1976 institucionalizou-se a plena jurisdicionalização dos Tribunais Administrativos, sendo seguida pela adopção do modelo de contencioso subjectivo nas revisões constitucionais de 1989 e 1997. Estas revisões constitucionais vincaram ainda mais a preocupação constitucional relativa à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, como por exemplo, o direito fundamental de acesso à Justiça Administrativa.

Questão diferente é saber, se este Direito Constitucional já está concretizado, ou se a Justiça Administrativa é ainda Direito Constitucional por concretizar?

Ricardo Alexandre de Carvalho