domingo, 1 de novembro de 2009

Comentário ao Tema #7

Esta posição doutrinária de Aroso de Almeida e C. Cadilha e partilhada por Vieira de Andrade, levanta a questão da necessidade de prévia impugnação administrativa dos actos administrativos para que possam ser objecto de impugnação contenciosa. Trata-se de uma interpretação restritiva do regime do CPTA, suportada também em jurisprudência do STA, segundo a qual o Código, não revogando expressamente as disposições legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, admite que certas decisões administrativas continuem a obrigar a que aquelas ocorram previamente ao recurso à impugnação contenciosa, se a lei assim o prever (definitividade vertical). Esta matéria tem gerado alguma divergência, mais doutrinária que jurisprudencial. Para Vasco Pereira da Silva, a interpretação supra não encontra argumentos jurídicos. Afirma que as referidas disposições legais avulsas que continuam a exigir impugnações administrativas necessárias, se bem que não tenham sido expressamente revogadas pelo CPTA, caducam, por falta de objecto, ou seja, pelo desaparecimento das circunstâncias de direito que as justificavam (permitir o acesso a um Juiz). Consagrada a possibilidade de impugnação contenciosa de qualquer decisão administrativa, o recurso hierárquico necessário tornou-se sempre desnecessário. A sua manutenção como condição prévia de impugnação ou pressuposto processual "é um absurdo"(Vasco Pereira da Silva, 2009). Com a ironia que o caracteriza, V.P. da Silva fala na criação de uma nova categoria conceptual: o "recurso hierárquico necessário desnecessário" ou o "recurso hierárquico desnecessário necessário".
Também do ponto de vista constitucional a questão tem gerado controvérsia, tendo-se iniciado com a aparente conflitualidade entre o artº 25º da LPTA e o nº 4 do artº 268º da CRP na sua versão de 1989. Acalmados os ânimos, reacenderam-se com a nova redacção daquele preceito constitucional na revisão constitucional de 1997. A Reforma do contencioso administrativo e consequente concretização legislativa do direito fundamental de acesso à justiça administrativa, veio trazer novo alento aos que se têm pronunciado a favor da inconstitucionalidade da existência de quaisquer normas, gerais ou avulsas, anteriores, actuais ou futuras, que limitem o exercício de um direito fundamental constitucionalmente garantido, «por violação do conteúdo essencial do princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, assim como do princípio da igualdade de tratamento dos particulares perante a Administração e perante a Justiça administrativa, ao criarem "privilégios de foro" para certas categorias de actos administrativos.» (Vasco Pereira da Silva, 2009). Do outro lado, Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, entre outros, acompanhados por jurisprudência do TC (p.ex.Acs 425/99, 283/01 e 235/03) e do STA (ac.1061/06 de 28/12/2006), defendem a perfeita compatibilidade das normas em questão alegando que «só há inconstitucionalidade se o percurso imposto por lei para alcançar a via contenciosa suprimir ou restringir intoleravelmente o direito de acesso ao tribunal ou, por qualquer forma, prejudicar de forma desproporcionada ( ou arbitrária) a tutela judicial efectiva dos cidadãos, o que não acontece, em princípio, com as impugnações administrativas necessárias, maxime, o recurso hierárquico necessário.»(Ac. Pleno de 06.02.03, rec.1865/02 e acs. da Secção, de 09.04.2003, rec.350/03, de 02.10.03, rec. 1005/03, entre outros). Outros argumentos são chamados à colação: a suspensão automática dos efeitos do acto impugnado prevista nos arts. 163º/1 e 170º do CPA; a economia processual e de despesa para todos os envolvidos (particulares, administração e justiça administrativa) inerentes à resolução dos litígios no seio da Administração (que não nos parece de desprezar); e (pasmem!) «proporcionar mais tempo para a preparação da impugnação judicial e do eventual pedido de suspensão de eficácia do acto, no caso da decisão ser desfavorável.» Os particulares agradecem mas preferiam não ter que perder tempo com diligências inúteis.

Todas as controvérsias até agora referidas seriam de grande interesse teórico e relativamente inofensivas se não se verificasse que, na prática jurisdicional, se continua, salvo honrosas excepções, que não encontrámos mas queremos acreditar que existem, a decidir com base na doutrina que defende a exigência das impugnações administrativas necessárias como requisito processual para a impugnação contenciosa, no contexto de toda a legislação avulsa que o preveja.

Em jeito de conclusão, e manifestando também a nossa ainda não douta opinião, concordamos em toda a linha com Vasco Pereira da Silva nomeadamente quanto ao caminho a seguir para compatibilizar os regimes jurídicos do CPA e do CPTA: a revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário e a fixação de um prazo curto para o exercício da impugnação administrativa pelos particulares , sem relevância para a questão da impugnabilidade do acto administrativo, e que interessaria apenas para a aplicação do regime de suspensão automática da eficácia, até á decisão da garantia administrativa (Vasco Pereira da Silva, 2009).

João Lino