sábado, 21 de novembro de 2009

Tutela jurisdicional efectiva

Aproveitando esta oportunidade do divã da psicanálise, confesso que, no 2º ano do curso, quando estudei Direito Administrativo tive algumas dúvidas existenciais.
Nomeadamente acerca de onde entrava a separação de poderes de Montesquieu[i] já que “julgar ainda é administrar”.

Foi de difícil compreensão o facto de à actividade Administrativa caber a prossecução do interesse público e ao mesmo tempo ser essa mesma administração a auto – controlar a conformidade da sua actuação com o Princípio da Legalidade e caber-lhe, em exclusivo, o controlo do mérito: “A Administração pode, em princípio, exercer sobre os seus próprios actos um controlo de legalidade e um controlo de mérito”.[ii]

Volvidos dois anos fica esclarecido que tal não passa, afinal, de resquícios de uma infância difícil.

“A actual situação do Contencioso Administrativo pode ser caracterizada […] como a “fase do crisma ou da confirmação”, já que corresponde, por um lado, à reafirmação da sua natureza plenamente jurisdicionalizada, em que o juiz não apenas goza de independência mas também de plenos poderes em face da Administração, por outro lado, à consagração da sua dimensão subjectiva, destinada à protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares.”[iii]

A Reforma tem como objectivo, entre outros, alcançar um modelo de justiça administrativa mais conforme com o modelo constitucional, ultrapassando a inibição em reconhecer aos tribunais administrativos amplos poderes de condenação da Administração.

A jurisdição administrativa deixa de ser uma jurisdição de poderes limitados, a cujos juízes não era reconhecida a possibilidade de emitir todo o tipo de pronúncias.

A Administração deixa de só poder ser condenada ao pagamento de indemnizações, no âmbito das acções de responsabilidade civil, para passar a poder sê-lo sempre que esteja constituída em deveres jurídicos. A condenação tanto pode dizer respeito ao dever de praticar actos jurídicos, como de realizar prestações materiais.

Há um considerável alargamento dos poderes jurisdicionais de cognição e de condenação da Administração pelos tribunais, o que assume relevo no âmbito da Acção Administrativa Especial[iv].

Em relação aos poderes cognitivos, o tribunal dispõe do poder - dever de se pronunciar sobre todas as concretas causas de invalidade de que enferma o acto impugnado mesmo que não tenham sido invocadas pelo autor, artigo 95º nº.2 do CPTA.

Quanto aos poderes de condenação, face a um pedido dirigido à prática do acto administrativo devido é permitido ao tribunal que condene a Administração não só na prática desse acto como também na adopção dos demais comportamentos mesmo que estes não consubstanciem actos administrativos. O tribunal pode pronunciar-se sobre a pretensão material do autor podendo determinar o conteúdo do acto a praticar pela Administração, artigo 71º do CPTA.

A condenação à prática de actos administrativos tanto se pode concretizar numa condenação no dever de decidir, no exercício de poderes discricionários como na condenação à prática de um acto com um determinado conteúdo como ainda na determinação das vinculações a observar na prática do acto administrativo.

Mesmo quando não esteja em causa a emissão de um acto de conteúdo vinculado e a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, o tribunal deve determinar o conteúdo do acto a praticar sempre que a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível.
Nos restantes casos, o tribunal deve pelo menos explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido.[v]
Assim, poderá dizer-se que o artigo 71.º "é a pedra de toque do novo instituto da condenação à prática de actos administrativos".[vii]

A título de curiosidade, imagine-se que a Administração passa a pagar custas, artigo 189º nº 1 do CPTA. Até aqui a Administração esteve isenta de custas, o que era apontado como contributo para a tendência de recorrer sempre que perdia em 1ª Instância. Mesmo quando era manifesta a falta de razão.

Outra novidade é que a Administração passa a poder ser condenada por litigância de má fé artigo 6º do CPTA.[vi]


[i] O Espírito das Leis
1748

[ii] Curso de Direito Administrativo Vol. II
Diogo Freitas do Amaral
Edição de 2001, Página 98

[iii] O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise
Ensaio sobre as acções no Novo Processo Administrativo
Vasco Pereira da Silva
2ª Edição, Página 85

[iv] Linhas Gerais da Reforma do Contencioso Administrativo http://rca.meticube.com/_RCA/Documents/LINHASGERAIS.pdf

[v] Intervenção proferida pelo Prof. Doutor Mário Aroso de Almeida*
O Novo Regime do Contencioso Administrativo

[vi] Intervenção oral proferida pelo Dr. Bernardo Ayala
Colóquio sobre a Reforma do Contencioso Administrativo
4 de Dezembro de 2003, Lisboa
[vii] M. Aroso de Almeida / C. Cadilha
Helena Guerra
Subturma 3, nº 16629