quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Comentário ao tema 6

Sendo a cumulação aparente aquela cumulação em não existe, nos pedidos apresentados à tutela judicial, mais de que uma mesma utilidade económica (utilidade essa que existe, como afirma Teixeira de Sousa em cadernos de Justiça Administrativa, pág 37, na generalidade dos casos tratados no contencioso administrativo), portanto, aquela da qual o autor “não aufere benefícios distintos para cada um dos pedidos” (T. de Sousa CJA). Nessas situações, existirá uma relação de prejudicialidade entre os pedidos, sendo possível transformação o pedido prejudicial numa causa de pedir do pedido dependente (segundo aquilo que entendi do já citado texto de T. de Sousa).

Recorrendo a conceitos do Processo Civil (vd. Artº 273 nº 2 in fine CPC), penso que poderíamos dizer que há apenas uma utilidade económica sempre que os pedidos “secundários” (aqueles que são cumulados, ou melhor, os pedidos dependentes) sejam um desenvolvimento ou uma consequência do pedido “primário” (aquele ao qual se cumula, pedido prejudicial).

Exemplos referidos por T. Sousa:

Pedido de anulação de um acto com pedido de reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, ou com pedido de condenação à pratica do acto devido.


Assim sendo, a afirmação em análise é correcta (até certo ponto, deixando de o ser através de uma interpretação teleológica, proposta pelo Prof Vasco Pereira da Silva), na medida em que, visando o contencioso administrativo ser um meio de tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos privados (vd. Artº 268 nºs 3 e 4 da CRP), e até de entidades publicas (vd artº 10 nº 6), não pode, à primeira vista, deixar de parecer estranho a necessiadade de elaboração de vários pedidos “distintos”, quando eles juntos não conseguem conceder ao particular beneficiários diversos daqueles que obteria se consegui-se a procedência de cada um deles separadamente.

Vasco Pereira da Silva (“O Contencioso Administrativo no Divã...”) refere que tal situação se deve ao facto do CPTA, no artº 47 (e a meu ver em todos os artigos aonde se exemplificam os tipos de pedidos que podem ser efectuados) ter um fim pedagógico, pretendendo (da interpretação que fiz de tal afirmação), afastar o “traumas de infância” do contencioso de anulações através da demonstração de que com o novo contencioso se pretende realmente tutelar de forma efectiva os mais diversos tipos de pretensões contra a administração, através de sentenças que fazem força de caso julgado para além da mera imposição à administração de se abster de reproduzir novo acto com o mesmo conteúdo.

Com isso, no entanto, continua-se, (a meu ver, aparentemente) a permitir acções, no processo declarativo, de mera anulação, que são uma forma desadequada de tutela (conclusão que, afinal, foi a base para a mudança de um contencioso de mera anulação, para um de plena jurisdição), sempre que o actoestá a ser ou já foi completamente executado (como faz notar Vasco P. da Silva), na medida que a sentença favorável à parte que impugnou tal acto, não vai afectar os efeitos que o este já produziu, tendo apenas como consequência a sua eliminação, sem efeitos retroactivos, da ordem jurídica (isso, claro está, quanto aos actos anuláveis, pois os nulos, salvo nos casos dos processos urgentes, onde existe divergência doutrinária, podem ser impugnados a todo o tempo e não produzem quaisquer efeitos).

Tendo em conta a proposta de interpretação actualista e teleológica feita por Vasco P. Silva, no sentido de que só fará sentido admitir tal possibilidade nos casos em que não seja possível em situações onde haja falta de elementos para definir o objecto de um pedido condenatório, neste caso a efectuar no processo executivo (vd. 662 nº 2 CPC, disposição subsidiariamente aplicável ao caso por força do artº 1º), e, tendo também em conta, que as partes devem abster-se de diligências inúteis ou dilatórias, e tendo, por fim, em conta a finalidade última do contencioso administrativo que é o de conceder tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos (e não de conceder um meio de afronta ou vingança contra a administração), deve-se, sempre que existir apenas um pedido de impugnação de uma acto já executado ou em execução, entender que a parte pretende, na verdade, que o que se pretende com tal pedido é a “imediata e plena reconstituição da legalidade do actuou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão” (como já acontece no contencioso tributário onde já foram ultrapassados os “traumas da infância difícil” do contencioso administrativo vd. artº 100 LGT).

Leonel Pires (subturma 3)