domingo, 13 de dezembro de 2009

A Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas

Para se compreender a responsabilidade civil extracontratual do Estado, é necessário analisarmos a matéria do âmbito da jurisdição administrativa.
O ETAF, à data de 1984, concedia no artigo 4º um carácter subsidiário à jurisdição administrativa, a qual seria competente sobre questões não atribuídas por lei a outros tribunais.

A razão de ser desta situação reside no facto de os tribunais administrativos serem vistos com desconfiança, não sendo considerados verdadeiros tribunais, por estarem demasiado relacionados com o Estado, logo incapazes de decidir com a devida imparcialidade. Ora isto levou à origem de um “nevoeiro cerrado” sobre o âmbito de aplicação dos tribunais administrativos versus tribunais judiciais. Perdido nesse nevoeiro encontrava-se a delimitação do âmbito de jurisdição em matéria de responsabilidade civil.

Com a revisão de 1989, abriram-se algumas nuvens, e a Constituição passou a atribuir à jurisdição administrativa, no seu artigo 212º, a direcção dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. Contudo ainda estávamos longe de vislumbrar um raio de sol.
Para nos pronunciarmos sobre a responsabilidade extracontratual do Estado é necessário defini-la. Esta será portanto a obrigação jurídica que recai sobre qualquer pessoa colectiva pública de indemnizar os danos que tiver causado aos particulares no desempenho das suas funções.

A lei 67/2007 de 31 de Dezembro - Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas
A lei 67/2007, há muito exigida pela doutrina, veio substituir o jurássico decreto-lei 48051 que permaneceu no nosso ordenamento jurídico por quarenta décadas (21.11.1967) que regulava o anterior regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas no domínio dos actos de gestão pública.

Esta lei excluía do seu âmbito de aplicação os actos da função jurisdicional e da função legislativa, abrangendo unicamente os actos da função administrativa do Estado.

Face à ausência de regulação nestas matérias, a Jurisprudência recorreu sistematicamente ao artigo 22º da Constituição para exigir uma indemnização por prejuízos causados por qualquer acção funcional do Estado, designadamente por actos relativos à função jurisdicional e à função legislativa. Para colmatar a ausência de quadro normativo relativo aos pressupostos e condições desse dever público de indemnizar, recorreu-se à aplicação directa do artigo 483º do Código Civil.
Ora como se vê a necessidade de criar uma nova lei sobre a responsabilidade extracontratual do Estado era evidente para evitar esta resolução “remendo” de recorrer “ao auxílio do vizinho”.

A lei 67/2007 veio alterar esta situação, consagrando no artigo 1º, que a responsabilidade extracontratual do Estado viesse a abranger os danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa.

As entidades submetidas ao regime da lei 67/2007 são:
O Estado, Regiões Autónomas e demais Pessoas Colectivas de Direito Público;
As Pessoas Colectivas de Direito Privado que exerçam poderes de autoridade;
As Pessoas Singulares que sejam titulares de órgãos, funcionários ou agentes.

A responsabilidade civil extracontratual compreende:
1. Os danos decorrentes do exercício da função Administrativa (art. 7 e seguintes);
2. Os danos decorrentes do exercício da função Jurisdicional (art.12 e seguintes);
3. Os danos decorrentes da função Político-Legislativa (art.15 e seguintes)
4. A indemnização pelo sacrifício (art.16).

Quanto aos danos, estes podem ser gerais (lucros cessantes e danos emergentes, actuais ou futuros, patrimoniais ou não patrimoniais) ou podem ser ainda especiais ou anormais. Em relação aos primeiros deve-se entender os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas; já os segundos correspondem a danos ou encargos que ultrapassam os custos da própria vida em sociedade.

A culpa é referida no artigo 8º onde encontramos o dolo e a negligência. O critério para a sua apreciação é definido no artigo 10º nº1 assim como a respectiva presunção no nº2.

Na responsabilidade objectiva (art. 11º) encontramos a responsabilidade pelo risco.
Os pressupostos desta responsabilidade são, o carácter de especial perigosidade da actividade coisa ou serviço, a verificação de um dano na esfera jurídica de terceiro, a existência de um nexo de causalidade entre a actuação da entidade pública e o dano e finalmente a circunstância de o dano não se tornar imputável a um facto de força maior.

Destaca-se ainda o artigo 6º que determina o exercício do direito de regresso pelo Estado contra os titulares de órgãos, funcionários ou agentes responsáveis que será nos casos em que se encontra previsto na lei, obrigatório.

A indemnização pelo sacrifício implica que o Estado e as demais entidades públicas tenham o dever de indemnizar, independentemente de terem actuado licitamente, o que determina uma maior protecção dos particulares (art.16).

A lei 67/2007 revela-se inovadora ao consagrar a possibilidade de responsabilização directa do agente que tenha provocado o dano, ao facilitar a concessão de indemnizações, ao abranger como já referido a responsabilidade político-legislativa e judicial, e ao consagrar a responsabilidade pessoal dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes (responsabilidade solidária da Administração).

A necessidade de renovar o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado era inegável, e a entrada em vigor deste diploma era essencial. Contudo denotam-se alguns desafios que este diploma nos coloca, nomeadamente, a imprecisão de alguns conceitos, como é o caso do artigo 10º que estabelece que a culpa dos responsáveis por uma acção ou omissão que tenha causado danos deva ser apreciada pela “diligência e aptidão que seja razoável exigir” ou a delimitação de “erro grosseiro” no artigo 13º respeitante a responsabilidade por erro judiciário. E finalmente teremos de nos confrontar com a necessidade de criação dos meios necessários para os tribunais conseguirem dar resposta à maior afluência de processos judiciais que resulta das alterações deste regime.



Maria José Silveirinha Relvas turma 3
Nº 16329

Bibliografia:

O contencioso Administrativo no divã da psicanálise – Vasco Pereira da Silva

Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo -Mário Aroso de Almeida e Diogo Freitas do Amaral

Procuradoria-geral distrital do tribunal de Lisboa - http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/

A responsabilidade civil extracontratual do Estado - problemas gerais – Fausto de Quadros

Responsabilidade da Administração pública – Carlos Alberto Fernandes Cadilha

Workshop Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado - Franco Caiado Guerreiro & Associados

Ministério da Justiça - www.mj.gov.pt