domingo, 6 de dezembro de 2009

Tentativa de Resolução da Simulação

Sem ter a certeza se é permitido tentar resolver este caso aqui no blogue, e por não ter a certeza se terei a possibilidade de participar numa simulação a realizar nas próximas aulas práticas, deixo aqui a minha tentativa, consciente de que ela poderá ser removida:

Estando em causa uma decisão proferida pelo Tribunal De Contas (a partir daqui, TC) de recusa de visto prévio, temos de recorrer à lei nº 98/97 (LOPTC).

O seu art.º 46 nº 2 determina que a recusa do visto é um requisito de eficácia dos instrumentos jurídicos que a ele estão sujeitos, mas não afecta a sua validade ou existência (1).

Assim, com a recusa desse visto os contratos não são eliminados da ordem jurídica. Mesmo que essa recusa se baseasse numa nulidade. E partindo do pressuposto de que a decisão do TC foi correcta, os vícios formais aí referidos, tendo em conta o disposto no 44º nº 3 LOPTC, terão de levar à nulidade do contrato, isso porque não parece que vícios formais possam preencher as alíneas b) e c) deste nº3. Devendo, consequentemente ser feito, pelo menos, um de pedido de declaração de nulidade do contrato, e para obter tal declaração e a anulação com base em vícios que, eventualmente, não geram nulidade, deveria recorrer-se à forma de processo comum [37 nº 2 al. h) CPTA].

E teria legitimidade para tal, por força do 40º nº 1 al. e) CPTA, mas seria necessário alegar que o clausulado não corresponde aos termos da adjudicação. Senão, teria de requerer ao Ministério Público [MP; 319º nº 1 CRP, 51º nº 1 ETAF e 40 nº 1 al. b) CTPA], para efectuar tal pedido.

Por levar à ineficácia dos contratos, quanto a todos os seus efeitos que ainda não tenham sido produzidos, poderá recorre à acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo ineficaz (vd. 54º e 50º CPTA), para impugnar todo e qualquer acto da administração (nomeadamente pagamentos que devam ser efectuados depois da notificação da recusa do visto 46º nº 2 LOPTC) ou da própria empresa construtora no âmbito de poderes de autoridade conferidos pelos contratos em causa [vd. 4º nº 1 al. f) ETAF].

O facto do art.º 37 nº2, al. h) se referir ao processos que tenham por objecto litígios relativos à execução dos contratos não afasta, a meu ver, a possibilidade de recurso a esta acção especial, porque o que parece estar em causa nesta alínea h) é a violação de cláusulas contratuais validas [isto é, execução deficiente do contrato; vd. vd. 40 nº 2 al. c) CPTA] e não a execução do contrato inválido [vd. 47 nº 2 al. d) CPTA, donde, a meu ver, se retira que é possível a impugnação de actos relativos à execução de um contrato através da acção especial - e cumular tal pedido com outros relativos a essa mesma execução].

Para esta acção ele terá legitimidade, se as ilegalidades formais ou materiais dos contratos que a concorrente celebrou com a administração forem susceptíveis de lesar os seus interesses. Isso pode acontecer sempre que estivermos perante uma situação que ponha em causa o principio da igualdade, consagrado no 5º nº 1 CPA, de tal forma que possa ser considerado uma situação de concorrência desleal (2), nomeadamente se elas resultarem na violação dos termos da adjudicação. O simples facto de pretende pôr em causa a outra empresa sua concorrente, só num enquadramentos de danos ou prejuízos para a própria construtora "Auto-Betão" é que poderá atribuir legitimidade, nos termos do 55º nº 1 al. a) CPTA.

Os pedidos relativos à validade do contrato e da impugnação dos actos ineficazes podem ser cumulados (47º nº 1 e 4º CPTA) devendo seguir a forma da acção especial, com adaptações que o juiz eventualmente, considerar necessárias (5º nº 1 CPTA).

Se não existiram quaisquer vícios no processo de formação dos contratos (pelos menos o contrário não decorre da fundamentação do TC apresentada), apesar de estarmos perante contratos de empreitada e concessão da auto-estrada A 5401, não será possível o recurso ao processo urgente de contencioso pré-contratual (vd. 46 nº 3 e 100 nº 1 CPTA)

Ele poderá recorrer, no entanto, a outro processo urgente, os procedimentos cautelares, neste caso, para requerer a intimação do Instituto de Estradas de Portugal e da construtora "Paisagens de Alcatrão" a não executarem o contrato, por esta se encontrar em violação de normas de direito administrativo [113 nº 2 al. f) CPTA].

Tem legitimidade para tal, por força do 113º nº 1 CPTA, e tendo em conta aquilo que acima indiquei quanto è legitimidade para a acção comum e para a especial, assim como o MP.

Quanto à alegação de que a falta desse visto só dificulta os pagamentos não corresponde à realidade. Apesar de se permitir, no 45º nº1 do LOPTC, que os contratos produzam todos os seus efeitos antes da concessão do visto, e, no nº 3 desse mesmo artigo, que sejam pagas as quantias referentes a serviços já prestados, ou bens já fornecidos, a partir do momento em que os interessados sejam notificados da recusa do visto, ele deverão abster-se de executar os contratos.

E assim é porque, em primeiro lugar, o 65º nº 1 al. h) LOPTC permite que o TC aplique multas neste tipo de situações e, em segundo lugar, essa execução pode dar origem ao crime de desobediência, se o TC emitir uma ordem para que tal execução não prossiga com a cominação de irão incorrer nesse crime quem desrespeitar tal ordem (como se exige no 348º nº 1 al. b) CP), (3) e ainda, em terceiro lugar, o 44º nº 2 LOPTC determina a ineficácia jurídica a partir da notificação da recusa aos interessados (assim, por exemplo, qualquer obra realizada após essa notificação, para além de não fazer nascer o direito à sua remuneração, pode nem sequer ser legal por falta de autorização para a sua realização, caso essa autorização esteja também abrangida por essa recusa).

Quanto à legitimidade passiva, relativamente a todos os pedidos, deveria ser demandado tanto o Instituto de Estradas de Portugal como a "Paisagens de Alcatrão" (vd. 10º nº 1, 57º CPTA).

Por fim, só se poderá socorrer neste caso dos interesses difusos para justificar a legitimidade processual da "Auto-Betão", se os vícios de que padecem os contratos porem em causa bens ou valores fundamentais constitucionalmente protegidos (vd 9º nº 2 CPTA), situação que por falta de dados não se pode analisar, mas, tendo em conta a obra a construir, não será difícil encontrar questões ambientais pelo caminho.

(1) - STA 04/10/90; Proc nº: 027225; II - O visto do Tribunal de Contas constitui requisito de eficácia. No caso referido no número anterior constitui, porem, uma condição para a manutenção da eficácia. Assim, a recusa do visto não afecta a validade ou a existência do acto. III - Só com a anulação do acto impugnado, o recorrente verá eliminado da ordem jurídica o obstáculo que ele representa para a satisfação da sua pretensão substancial. E será no recurso que obterá a tutela jurisdicional para o direito ou interesse legitimo que invoca.

- Parecer da PGR nº P000901989: a função do visto é, essencialmente, a do controlo da legalidade e, acessoriamente, da economicidade dos actos e contratos administrativos

(2) - Parecer da Procuradoria Geral da República nº 17/57, de 30.05, citado no acórdão Acórdão nº 0536911 Da Relação do Porto: "os actos, repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa dum competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela."

(3) - A recusa da possibilidade do TC emitir tal ordem acompanhada dessa cominação seria contraditório face à passibilidade concedida no 68º LOPTC, e da já referida possibilidade de aplicação de multas e levaria a que a recusa do visto só tivesse efeito útil nos casos em que os interessados não tivesses capacidade financeira para suportar o montante máximo da multa.